Brega é reconhecido como patrimônio do Recife, mas difere do ritmo paraense
Por: Villian Nunes
O brega foi reconhecido como patrimônio cultural imaterial do Recife, no último dia 1º de junho, pela Câmara de Vereadores daquele município. O assunto repercutiu entre os paraenses causando ciúme. O ritmo contabiliza 52 anos de história no Pará. O multi-instrumentista, arranjador, produtor musical e pesquisador dos ritmos da Amazônia, Manoel Cordeiro, reconhece que o brega “é muito forte em Recife”, mas aponta que o gênero mantém diferenças rítmicas e melódicas em comparação ao brega de Belém do Pará: “O brega do Pará é mais rico em vertentes”.
Se o Recife teve em Reginaldo Rossi a maior representatividade nacional do brega da capital pernambucana, o Pará teve a Banda Calypso, de Joelma e Ximbinha, que popularizou o estilo paraense do ritmo, mais acelerado e dançante.
“O brega do Recife é ligado à dor da traição e o ritmo é ‘xacumbum’, apelido que se dá à levada que predomina na música. Enquanto no Pará é mais acelerado, na verdade é outro ritmo em que se predomina o calipso, e as letras têm outros temas, como a ‘molecagem’ do ‘Papudinho’ (Roberto Villar) ou a levada mais romântica de ‘Ao Pôr-do-sol’ (Ted Max)”, descreve.
“O brega é uma música do povo, de mensagem direta e que ele se identifica”. Entre os grandes intérpretes do gênero no Pará, no passado, estiveram também Cícero Rossi, Lindomar Castilho, Juca Medalha, Anormal do Brega, além dos que ainda se mantém, como Wanderley Andrade, Kim Marques, Edilson Moreno, Marcelo Val e Nelsinho Rodrigues.
“Nos Anos 80, a gente fazia muito brega nos estúdios de Belém. Por volta de 1995, Ximbinha trouxe uma nova tendência mais acelerada na guitarra com Roberto Villar e Alberto Moreno”. Nessa época surgiram também as bandas Fruto Sensual e Xeiro Verde. “Surgiu o Tony Brasil, com as primeiras experiências do tecnobrega. Ele fazia a música no teclado com uma sonoridade da música eletrônica, o que foi incrementado por Gaby Amarantos. E depois surgiu o tecnomelody”, recorda.
De brega a chique
Nos Anos 80 e 90, o gênero musical do brega era popular, mas distante do gosto musical da elite. “Discutíamos naquela época sobre o significado pejorativo do brega no dicionário. Para nós, músicos, sempre foi um estilo musical de aceitação das massas e que a gente sabia fazer”, recorda.
A fase de projeção nacional da música paraense teve o incremento do brega com Gaby Amarantos emplacando a canção “Ex Mai Love” na abertura da novela “Cheias de Charme” (2012), da Globo, e Fafá de Belém com o álbum de brega “Do Tamanho Certo Para o Meu Sorriso” vencendo o 27º Prêmio da Música Brasileira (2017) como Melhor Álbum de Melhor Cantora, e também a 29ª edição do mesmo prêmio como Melhor DVD do mesmo repertório (2018). O brega conquistou os ambientes elitizados. Vários artistas paraenses investiram no gênero gravando clássicos do passado e compondo novas canções.
Belém também pode reconhecer o ritmo como patrimônio imaterial
O técnico de Antropologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no estado (IPHAN), Cyro Lins, afirma que o reconhecimento do brega como patrimônio imaterial do Recife não significa a posse do bem cultural. A vereadora Lívia Duarte anuncia que apresentará o projeto de lei de reconhecimento do ritmo como patrimônio imaterial de Belém, na próxima terça-feira, 7. E na Assembleia Legislativa do Pará, a deputada Dilvanda Faro é autora da proposição que institui o Dia Estadual da Música Brega.
“O brega é uma expressão cultural identitária. É um patrimônio cultural tão popular e tão presente no cotidiano que não se esperta para o valor que ele tem até que outros valorizem”, declara Lívia. O projeto de iniciativa dela já está sendo preparado para formalização. Ainda não se sabe se alguma vez foi apresentada uma proposição semelhante na Câmara Municipal de Belém.
Na Alepa, inexiste projeto com esse propósito, mas, no mês passado, a deputada Dilvanda Faro apresentou o projeto que institui o Dia Estadual da Música Brega a ser comemorado no dia 26 de julho. A data homenageia a cantora Cleide Moraes, aclamada como ‘Rainha da Saudade’ pelo público, que faleceu de acidente de carro no dia 26 de julho de 2020. “Em sua memória (de Cleide), o projeto homenageia, ainda, as mulheres que cantam na noite e os demais profissionais que trabalham fomentando a música paraense. Durante sua carreira, Cleide Moraes cantava músicas românticas, como boleros e bregas marcantes”, afirma.
Processos de reconhecimento
O técnico Iphan-PA, explica que o reconhecimento de um bem cultural como patrimônio pode ser feito de diferentes formas: por meio de decretos legislativos, que conferem o título de reconhecimento, e também por meio do governo federal, através do Iphan, que realiza uma profunda pesquisa de reconhecimento do bem cultural com o propósito de instituir políticas públicas de valorização, salvaguarda, preservação e sustentabilidade desse patrimônio. “O reconhecimento deve surtir efeitos práticos para essa manifestação cultural se perpetuar”.
O Decreto 3.551, de quatro de agosto de 2000, institui os procedimentos para o registro de bens como patrimônio cultural imaterial do Brasil. Ele estabelece que, para ser inscrita no livro de registro de bens culturais, a manifestação deve apresentar relevância nacional para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira. Atualmente, o Pará tem inscritos nos livros de registro de saberes, das celebrações, das formas de expressão e dos lugares: o modo de fazer cuias do Baixo Amazonas, o Círio de Nazaré, as festividades do Glorioso São Sebastião no Marajó e o carimbó. E, arualmente, está em tramitação no IPHAN o reconhecimento da Marujada.
“Se a manifestação cultural acontece em outros lugares, esses outros lugares também podem reconhecer. O reconhecimento de Recife não é exclusivo, está reconhecendo o ritmo de lá. O ato de reconhecer não é um ato de tomar posse. Qualquer vereador ou deputado pode propor o reconhecimento de qualquer coisa”, completa Cyro Lins. “Antes do reconhecimento institucional, existe o reconhecimento das pessoas, das comunidades. O reconhecimento feito pelo poder público deve gerar uma consequência além disso”.